ixe, já fiz foi coisa nesse mundão de meu deus.
arrumei meu primeiro emprego em 2009, ainda com 16 anos, como jovem aprendiz na CPTM - sabe aquele adolescente que anda pra lá e pra cá com uma camiseta vermelha escrito “posso ajudar?” então, euzinha.
pra maioria esmagadora dos jovens de quebrada, trabalhar ocupa muito mais um lugar de necessidade do que de possibilidade e comigo não foi diferente; lá estava eu, no primeiro ano do ensino médio trampando minhas horinhas.
a alegria de ganhar meus dinheirinhos passou MUITO rápido quando descobri um troço chamado “folha de pagamento” e vi, de fato, quanto que iria receber. um dia bem triste na minha vida, lembro que chorei de ódio, mas aproveitei muito o passe-livre pra andar de trem que era um dos benefícios - e meus amigos também.
depois desse primeiro baque vieram muitas outras experiências, e, avalie minha surpresa ao descobrir que, apesar de ganhar mal, meu primeiro emprego tinha sido bom - depois vieram as lojas de shopping, recepções de consultório e diversos outros trabalhos informais que me mostraram que o bagulho era muito mais doido do que eu podia imaginar.
inclusive, à quem possa interessar, falei um pouco nesse vídeo aqui de algumas aventuras de JÁRBARA (Bárbara e eu) vendendo um tanto de coisa, desde roupas à água no farol
acho que dá pra dizer que nunca tive problema com o fato de TER que trabalhar. até porque, um grande fodase eu se tivesse, né?
mas nos últimos anos comecei a refletir muito sobre o lugar que o trabalho passou a ocupar na minha vida.
na clínica, a questão é delicada: profissionais da saúde, em especial mulheres que são psicólogas e/ou psicanalistas, têm muita dificuldade em delimitar o que é sustento e o que é cuidado. a figura da mulher socialmente é atrelada ao cuidar, zelar e amparar. aí já viu, né? receita perfeita pra dar merda.
mas como isso é um pouco mais complexo do que pretendo desenvolver nesse papo aqui, vou ficar mais no lado profissional da coisa mesmo, tá?
ao conduzir um tratamento, a profissional está escutando alguém que sofre e que conta desse sofrer. existe um vínculo fundamental que precisa ser construído entre essas duas pessoas para que o trabalho seja possível e que se inicie a construção de outras formas de viver, se desfazendo das lógicas que causam tanta dor e se mantém até ali.
só que, do ponto de vista da profissional, aquilo é um trabalho. e é aí que as coisas podem ficar meio cabreiras.
quantas vezes ouvi, mesmo durante a graduação em Psicologia, que eu deveria me preparar pra não ganhar dinheiro, que me virasse com outras coisas. inclusive, durante um bom tempo cogitei organizar minha clínica com alguma outra atividade pra complementar a renda - e conheço colegas que fazem isso até hoje, que continuam pensando que só tem esse forma de viver.
tudo porque nosso trabalho muitas vezes é confundido com o de uma organização sem fins lucrativos. é nosso papel cuidar, mas cobrar por esse serviço de alguém que está sofrendo é ofensivo - mas ofensivo para mulheres, claro. quem nunca ouviu aquela frase “psicologia por amor”, né? a parada é estrutural.
quando a gente tá começando, esse é o maior drama e a maior culpa. mas hoje, felizmente, pude construir outras ideias a respeito do meu fazer.
como todo ser humano, só é possível que eu consiga exercer minha profissão de uma forma legal, se outras coisas existirem também: meu tempo pra dormir bem, comer comida de verdade, dividir momentos com a minha família, ter uma casa pra morar, realizar os sonhos que eu ainda nem sei que tenho. enfim, cês entenderam.
esse lance de “trabalhe com o que você ama e não trabalhará nenhum dia na sua vida” é a maior furada, só serve pra alimentar lógicas que causam dor e sofrimento.
e, dito isso, direi também o seguinte: tenho o MÁXIMO RESPEITO por esse fazer e sei o quanto ele custa pra mim. é nele que escuto angústias de outras pessoas sendo ditas à uma completa estranha, mas que passa a conhecê-las pelas palavras.
é aqui que viajo dentro e fora do BR num dia só. é aqui que me deparo com a limitação de não resolver o que dói e faz doer em quem me diz porque não é disso que se trata e eu não vou salvar ninguém. é aqui que aprendo que escutar não é pouco, mas que falar também não é.
é aqui que pratico a psicanálise que eu acredito e passo longe de ser a analista caladona, dou risada, me emociono e participo dessa relação dialética como analista e gente que sou, sem deixar de saber o lugar de cada uma.
é aqui que, a cada pessoa que confia e endereça suas palavras à mim, aprendo um tanto mais sobre ser analista e gente. é aqui que construo a clínica do meu jeito, mas não sozinha.
no fim das contas não importa se você é apaixonado pelo que faz, a vida de nenhum de nós pode ser pautada somente nos resultados que produzimos. a gente precisa trabalhar pra viver e não o contrário.
agora falando especialmente pras colegas de profissão: cês não vão conseguir ajudar ninguém se não se ajudarem primeiro. deixemos o amor fora dessa lógica de mercado, que tal? :)
não tem nada de errado em ser bem remunerada pelo seu trabalho e PROVAVELMENTE isso não seria uma questão se vocês fossem homens.
escrevendo aqui me veio um pouco da teoria lacaniana na cabeça e, se interessar, posso me aprofundar um pouquinho mais nos motivos de um paciente pagar seu analista com dinheiro - sim, é remunerado por ser um serviço, mas dá um papo bom construir que não é apenas por isso. deixem nos comentários se vocês acham que seria maneiro!
“das coisas nascem coisas”
em 2020 eu descobri um jogo que conseguiu a proeza de prender completamente minha atenção: The Last of Us Part II.
e quando digo que essa foi uma façanha notável, é porque - pra máxima decepção de minha noiva - eu não poderia me importar menos com videogames.
não é que eu não reconheça a relevância e valor artístico deles, eu até já liguei, pasmem, tenho uma tatuagem do Fatal Frame nas costas, mas hoje em dia é tipo “ah, tá bom”. mas era pandemia e The Last of Us teve um lugar importante.
na época não tínhamos grana pra ter um Playstation 4, então revezamos entre ver um amigo jogar e assistir algum youtuber fazendo live. pra mim era como se fosse um filme, chegamos a assistir mais de 10h direto! curiosamente, até hoje prefiro assistir do que jogar hahaha
no auge da pandemia, pra além de tantas coisas que estavam acontecendo, me ajudou a distrair um tanto daquele caos todo. pra mim, é uma das histórias mais embaçadas que tem por aí.
se você não conhece, hoje em dia tem até série na HBO, mas o jogo é bem mais daora, fica a dica.
dado todo esse contexto e amarrando com o tema da newsletter dessa semana, deixo aqui minha recomendação pra vocês:
a trilha sonora assinada pelo Gustavo Santaolalla é simplesmente impecável, inclusive escrevi meu TCC com essa playlist nos fones de ouvido. gosto muito até hoje!
se você é do tipo que curte trampar ouvindo música, acho que vai mudar completamente a sua experiência. eu deixei o link do youtube pra ser mais democrática, mas tem no spotify também :)
“registrei pra virar palavra”
o registro dessa semana marca um momento muito inusitado nas nossas vidas: nossa primeira vez trabalhando em um café superfaturado.
ou como minha mãe chamaria: lugarzinho de fresco.
nada contra, mas que é, é.
trabalhar em casa é um desafio muito grande, apesar de ser um privilégio ainda maior.
às vezes a gente passa a semana inteirinha sem ver a cara da rua, só na frente do computador: eu entre os atendimentos e os conteúdos do canal, a Bárbara fazendo todo meio de campo pro nosso rolê acontecer.
confesso que a gente acaba perdendo um pouco a noção da hora certa de parar. é que a sala é sala, mas também é escritório e cenário, o mesmo acontece com a cozinha, o quintal e por aí vai.
esse dia eu acordei puta e falei: nam, vamo sair, trabalha fora. guardamos as coisas na mochila, pegamos o busão, tomamos um sol na cara. foi bom demais.
o triste foi pagar 32 mangos num frappuccino descafeinado…
o que rolou lá no canal essa semana:
"o filme HER previu o futuro”
“existe prazo de validade pra sofrer por algo?”
muito obrigada por ter lido até aqui,
a gente se vê na semana que vem :)
a OUTRAZIDEIA está hospedada no Substack, uma plataforma super legal (tem até aplicativo, espaço pra comentários, essas coisas).
se quiser me escrever aqui, vou adorar saber o que achou!
To curtindo de mais esses textos, muito bons
Ótima reflexão sobre o trabalho. Entre os anos de 2008 e 2009, eu fazia o curso técnico de massoterapia no Senac Tatuapé e ia de CPTM de Suzano a Tatuapé todas as tarde. Talvez tenhamos nos cruzado alguma vez. Tenha lindos dias!